Confesso que inicialmente não sabia bem como começar esta crónica.
A estreia das LEBRES E TARTARUGAS no Ultra Trail Sintra Monte da Lua guarda dois sentimentos antagónicos. Pelo lado positivo recorda-se a participação numa prova que, apesar de recente, já assume um lugar próprio no cada vez mais preenchido calendário das corridas de trail que se realizam em Portugal. A Serra da Sintra é um lugar mítico e místico. Cada curva, cada recanto, cada edificação está carregada de um simbolismo muito próprio. O ambiente cheira a História, e com Histórias perpetuadas ao longo de vários séculos. Quando emergimos naquela densa floresta parece que fugimos dos nossos dias e entramos num mundo completamente diferente daquele em que vivemos, à semelhança das histórias do “Harry Potter”. O clima muito próprio da Serra de Sintra faz com que, em pleno mês de Julho, mais pareça, por vezes, que estamos numa estação do ano completamente diferente do Verão que, embora timidamente, tomou conta do nosso País. Sintra é um caso à parte.
Pela negativa o facto de, em determinados momentos do percurso, seja do K50 ou do K25, termos sentido momentos de profunda angústia e de receio pelos terríveis desníveis e precipícios a que fomos sujeitos nas descidas e escaladas das arribas reservadas para esta prova. Já tínhamos provado um pouco destas sensações na corrida “ Entre Mar e Serra” recentemente organizada pelos Bombeiros Voluntários de Colares. Só que agora foi a multiplicar por quatro.
A partida para a prova mais longa estava marcada para as oito horas da manhã. Por isso os dois Tartarugas presentes – Carlos Gonçalves (K50) e Frederico (K25) - encontraram-se bem cedinho na Praia das Maçãs. A primeira tarefa era a do habitual levantamento dos Kits de participante. Como geralmente acontece nas corridas de montanha/trail a partida de cada prova é antecedida pelo “briefing” que serve de cartão-de-visita para o que nos espera e para chamar atenção para algumas regras principais que deverão ser escrupulosamente seguidas por todos.
Olhando em redor encontrei algumas caras conhecidas. Mas também apanhei um primeiro susto. A média de idades dos atletas do trail longo era uns bons furos abaixo dos meus 58 anos. Era desta que seria ultrapassado por todos e ficaria sozinho e à deriva na cauda do pelotão. Mas o meu desafio era terminar a prova que já sabia de antemão que iria ser “difícil”. Em último lugar, ou talvez não, terminar já era para mim uma grande vitória.
Com quinze minutos de atraso deu-se a partida para a prova maior. Logo a abrir, e imediatamente antes da subida da falésia inicial, somos obrigados a fazer algum equilíbrio sobre pedras escorregadias carregadas de limos caso não quiséssemos molhar logo ali os nossos pés.
Vencido este desnível um pouco mais à frente deparamo-nos com o primeiro engarrafamento. Como uma ponte de madeira apresentava um avançado estado de degradação somos obrigados a contorná-la. Para tal devemos descer a uma pequena ribeira e subir a pulso na outra margem com o recurso a uma corda. Fez-me lembrar os Trilhos do Almourol.
Com ligeiras subidas e descidas rumamos de imediato à Serra de Sintra. A prova estava verdadeiramente a começar. E assim iniciamos a parte mais bela de toda a corrida. Bela mas exigente. Agora é que iam começar verdadeiramente as dificuldades, para as quais tínhamos sido alertados no “briefing”. Tirando os que verdadeiramente lutavam por uma boa classificação, a maioria dos atletas estava ali para, essencialmente, disfrutar as belezas das paisagens e do encanto da envolvência florestal. Em cada curva, após cada subida, eis a Serra de Sintra em todo o seu esplendor. O nosso atleta que se aventurou à prova maior preocupou-se mais em gozar o ambiente e perpetuar as imagens que foi acompanhando. Sempre que tal se justificava parou para conseguir um “boneco”, como se diz na gíria fotográfica.
De vez em quando olhava para trás para ver se alguém se aproximava e lhe fazia companhia. Sim, porque isto de fazer as corridas em total isolamento é bom e mau. Bom porque cada um caminha, ou corre, ao seu ritmo. Mau porque provoca uma sensação de isolamento como se fôssemos o único ser vivo naquelas paragens. Quando se sentia mais isolado, e quando se proporcionava, o atleta fazia-se acompanhar, ainda que por breves momentos, de uma qualquer companhia de ocasião que lhe servia de estímulo e contribuía para não desmorecer no ritmo da corrida.
Com algum esforço não se deixava ficar para trás.
A passagem pela Quinta da Regaleira foi sem dúvida um dos pontos mais altos deste Ultra Trail.
Misturando-nos com os inúmeros turistas somos obrigados, e ainda bem, a passar pelo Poço. Não descartamos a oportunidade de registar fotograficamente os pontos mais interessantes desta curta visita. Só temos de ter em atenção para não deixar cair a máquina, ou o telemóvel, na água.
Saindo deste paraíso rumamos ao Castelo dos Mouros. Incontáveis degraus, com pedras muito escorregadias pelo meio, estamos num dos troços de maior dificuldade, tendo em atenção o desnível a vencer.
Apesar das dificuldades encontradas não damos o nosso tempo por mal entregue. Em cada curva um novo e idílico cenário. Quase não temos tempo para correr tal é a nossa ânsia por registar os vários focos de beleza que vamos encontrando. Sintra é mesmo isto. Há sempre lugar para descobrir novas emoções.
Chegados ao segundo Ponto de Abastecimento na Lagoa Azul temos que vencer a maior, demolidora, mas derradeira, subida. Fomos informados no “briefing” que este seria um dos pontos altos, e de maior dificuldade, de toda a prova. Longa, inclinada, e com múltiplos obstáculos, tivémos ainda por companhia uma valente “carga de água”. Sentimos frio como se em pleno Inverno estivéssemos.
É o micro-clima de Sintra, em toda a sua grandeza. E, apesar da hora do dia, em determinados momentos quase parecia noite.
Perto da Peninha encontramos o terceiro ponto de abastecimento. Sentíamos, ou talvez não, de que o pior tinha ficado para trás. Às voltinhas, no meio de trilhos de BTT, aproximamo-nos do “famigerado” Cabo da Roca. Não por que o mesmo nos levantasse algum temor. Mas por que sabíamos que nessa zona iríamos enfrentar quatro arribas (descidas vertiginosas e terríveis subidas) de cortar a respiração. Confesso que na primeira e segunda arribas senti “MEDO”. Olhei em redor com uma grande vontade de desistir e de voltar para trás. Ainda procurei um caminho alternativo que me livrasse daquele “terror”. Felizmente que não encontrei outras alternativas. Porque, caso desistisse, certamente que hoje não estaria de bem com a minha consciência. Aqui perdi muito tempo e algumas posições na classificação geral. Onde alguns, muitos, caminhavam de pé eu fui, como me disse o Frederico, em tracção às quatro rodas, isto é, com pés e mãos no chão.
No posto de controlo do Cabo da Roca ainda me informaram que teria mais dois momentos de suplício, com as correspondentes arribas. Só que, apesar das dificuldades das mesmas, não teria por perto os precipícios que, caso algum passo fosse mal dado, só terminaria uns bons metros mais abaixo e em pleno Oceano Atlântico, e, certamente, muito mal tratado. Felizmente que nada aconteceu. Como diz o ditado "a sorte protege os audazes"...
Finalmente tinha ultrapassado uns míseros quatro quilómetros que custaram bem mais do que os restantes quarenta e muitos.
Depois de uma longa caminhada em areia ainda temos alguns trilhos por entre densa vegetação. Por momentos senti-me perdido sem ver as fitas de sinalização do percurso correcto. Mas a intuição de um “trailista” vem ao de cima e lá se consegue seguir pelo caminho certo. O fim está próximo. Chegamos à Praia Grande. O Sol ameaçava entrar no seu ocaso.
Até à Praia das Maçãs temos um percurso fácil e que serve de descompressão final.
Era o momento de ligar ao Frederico que me iria esperar e registar a conclusão desta grande aventura. Só faltava descer a arriba pela qual se tinha iniciado este Ultra Trail.
Já se vê ao longe a manga com a meta. Para maior consolação deste “cavaleiro solitário” os poucos banhistas presentes não regateiam os seus aplausos. Até parecia que estava a chegar em primeiro lugar.
Com a memória ainda bem recente das arribas afirmava dizia que não voltaria a repetir esta corrida. A palavra medo estava bem presente. O Frederico recordava-me esta afirmação de outras aventuras. “Nunca digas nunca mais”. Repetir-se-á a mesma saga? Hoje já não sinto a mesma revolta do Sábado passado. Se calhar até volto para o ano que vem. Um atleta gosta é de grandes desafios.
Quanto à prova dos vinte e cinco quilómetros a beleza da Serra de Sintra esteve igualmente presente. Os atletas não foram presenteados com a passagem pela Quinta da Regaleira nem com a subida ao Castelo dos Mouros. Mas também a estes foram proporcionados momentos inolvidáveis com particular destaque para as quatro arribas “servidas” aos atletas da prova mais longa.
O Ultra Trail Sintra Monte da Lua foi uma das mais duras provas em que participámos. O acumulado de desnível para a corrida maior foi de 2149 metros. Mais só no Ultra Trail de S. Mamede em Portalegre, com cem quilómetros de extensão. A dureza desta prova ficou patente no número de desistentes. Dos cento e trinta e oito corredores masculinos que partiram para a prova de 50 quilómetros onze desistiram pelo caminho.
Agora segue-se um período de repouso competitivo até aos “Moinhos de Penacova” no último domingo de Agosto.
Atletas que concluiram a prova : 152 sendo 127 Masculinos (desistiram 11) e 25 Femininos (nenhuma desistência)
Vencedor: RUI LUZ(C.R.D. "O Sol nasce para todos"): 5:11:24
CARLOS GONÇALVES (Dorsal Nº500)
Classificação Geral: 150º - Classificação no Escalão K50 Masculino: 126º
Tempo Oficial: 11:30:18/Tempo Cronometrado (Tempo do Chip): 11:30:18
Tempo médio/Km: 13m:48s <=> Velocidade média: 4,35Km/h (*)
(*) - O Tempo médio/Km e a Velocidade média foram calculados em função dos tempos cronometrados (tempo do chip)
Calendário para o Mês de Julho
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