A vida é feita de desafios.
Ao longo da minha vida desportiva fui criando alguns sonhos que, a pouco e pouco, me propus alcançar e que inicialmente me pareciam inatingíveis.
Correr nunca foi um dos meus “hobbies”. Só corria para manter ou melhorar uma boa forma física de suporte ao Badminton, modalidade que pratiquei de forma competitiva, continuada e intensa durante vinte e oito anos.
Terminada esta fase decidi virar-me para outro tipo de prática de exercício físico. Apesar de ter adoptado o BTT como a minha nova modalidade sentia a necessidade de, paralelamente, manter alguma competição inexistente nos passeios de Bicicleta de Todo-o-Terreno. Foi assim que mudei de agulhas para as Corridas do chamado Atletismo Popular. A moda do “running” começava a atrair cada vez mais atletas de todos os sexos, idade ou nível de preparação.
A componente de competição que eu procurava passou a basear-se mais em assumir novos desafios para os quais eu não estava inicialmente preparado nem sabia se conseguiria atingir. Não corria contra ninguém, mas, essencialmente, por mim. As minhas metas eram eu superar alguns novos desafios.
Desde muito cedo que me interessei em atravessar a Ponte 25 de Abril a pé, cenário só possível se participasse na Meia Maratona de Lisboa que incluía, como prato forte, a travessia da Ponte sobre o Tejo. Assim decidi inscrever-me na prova da Meia Maratona já que a outra opção era uma Caminhada de cerca de sete quilómetros e meio sem qualquer componente competitiva. E para quem tinha por trás uma carreira desportiva tão intensa como eu tinha tido este novo desafio era exactamente aquilo que eu procurava.
Tendo dedicado algumas semanas à minha preparação foi assim que comecei a correr com alguma regularidade. Havia uma outra Meia Maratona em Setembro que incluia a travessia da Ponte Vasco da Gama. Voltei a adoptar um novo desafio.
Mas duas provas por ano eram demasiado pouco para mim. E foi assim que comecei a inscrever-me nas Corridas de Estrada na distância de dez quilómetros que começavam a surgir. Estávamos na segunda metade da década de 2000.
E foi assim que comecei a meter novos desafios na minha cabeça.
Fazer uma Maratona era o meu grande objectivo que consegui finalmente concretizar. Depois vieram as Provas de Trail, inicialmente com distâncias mais curtas da ordem da légua. Seguiram-se as Maratonas e Ultra Maratonas que respondiam ao crescente interesse de novas e mais exigentes distâncias. O maior objectivo que então se me colocava era cumprir o Ultra Trail de São Mamede com uma desafiante e redonda distância de cem quilómetros. Pelo meio ficavam os Ultra Trail com distâncias da ordem das Maratonas de Estrada e algumas a realizarem-se à noite. E também a Ultra Maratona Melides Tróia.
Ultrapassada esta fase de superação coloquei a mim próprio um novo desafio. E porque não fazer um Triatlo, prova mais completa e que nos obriga a três diferentes desafios e complementares: Natação, Bicicleta e Corrida? Quem consegue cumprir um Triatlo pode considerar-se como um atleta completo. Matutei durante alguns anos neste desafio. Será que o conseguiria ultrapassar? Só o saberia se me abalançasse a inscrever-me num Triatlo. E foi assim que surgiu a minha participação no Triatlo de S. Martinho do Porto. E contei com o empurrão dos meus fihos André e Gonçalo que, também sem qualquer tipo de experiência, se decidiram inscrever neste Triatlo. E atrás desta pequena loucura juntaram-se o Bernardo e o Frederico Eliseu, primos da Marta, mulher do André. E também se juntou à Festa o Frederico Sousa meu companheiro das Corridas e responsável pelo meu interesse pelo Trail.
Em Julho decidimos dar o nosso tão almejado passo com a inscrição na Prova Aberta que permitia a atletas não Federados e menos experientes participarem numa prova de Triatlo. E começou a nossa preparação. Cada um seguiu o seu próprio Plano de Treinos. O dia 22 de Setembro estava cada vez mais próximo, Decidimos ir de vépera para S. Martinho do Porto. Era seguramente menos desgastante do que viajar no próximo dia da prova e permitir-nos ia tratar com antecedência do levantamento dos nossos “kits” de participante.
Entramos em Estágio ao final do dia com um excelente jantar oferecido pela Família Eliseu, refeição esta à base de grelhados e acompanhada por um excelente vinho tinto. E foi o modo de nos ficarmos a conhecer melhor.
Seguindo as recomendações da Organização apontámos para estarmos no local de “check in” perto das oito de manhã. Após a verificação de todo o equipamento conseguimos colocar as nossas bicicletas no Parque de Transição. Tudo foi feito com a devida calma e com as instruções da equipa de arbitragem da prova. Instruções estas que nos foram bastante úteis atendendo a que eramos estreantes em provas de Triatlo.
Seguiu-se o pequeno-almoço ao longo do qual a nossa conversa versava apenas o Triatlo. Cada um tinha as suas expectativas. E notava-se algum nervosismo no ar.
Como é habitual por estas paragens caía sobre a baía um denso nevoeiro situação que levou a organização a encarar a hipótese de anular o segmento da natação e -substituí-lo por uma corrida adicional. Mas esta hipótese não nos era muito cara dado que estávamos ali essencialmente para fazer um Triatlo completo. Entretanto o nevoeiro levantou por algumas horas possibilitando a realização do Triatlo com os três segmentos normais A hora da partida foi então adiada para as onze horas.
Tiravam-se as fotografias da praxe para mais tarde recordar.
A partida para a Prova de Natação era feita em três fases:
Quando é dado o sinal de partida os atletas lançam-se à água provocando alguns atropelos. Atropelos para a maioria dos atletas que não para mim. O segmento da Natação não era o meu preferido pelo que entrei para a água sem grande convicção. Ao longo do percurso tínhamos algumas embarcações que nos ajudavam para não cometermos qualquer infracção e que também nos davam conselhos úteis para ultrapassar este segmento inicial . Posso dizer que me arrastei dentro de água optando umas vezes pelo “crawl” e outras pelos bruços. Olhando para os lados e para trás constatei que estava completamente sozinho. Os restantes atletas estavm lá mais para a frente. Mas desistir nunca. Teria oportunidade de recuperar este atraso nos outros segmentos nos quais me sentia mais à vontade. Todos os barcos de apoio estavam por minha conta.
Fui inexoravelmente o último atleta na Natação. Mas sentia-me animado e com forças para a prova de bicicleta e para o segmento de Atletismo. E mais animado fiquei com o apoio que me foi prestado quer pelos que incitavam os seus atletas quer também pelo “speaker” de serviço Foi indescritível. Até parecia que eu era o primeiro classificado. Infelizmente que não. Mas todo esta apoio empurrou-me decisivamente para as fases seguintes. Sentia que poderia recuperar algumas posições.
A transição para a Bicicleta não me correu nada bem. Não conseguia abrir o fecho do fato isotérmico, as meias teimavam em enrolar-se e não as conseguia calçar. Valeu a ajuda de senhora árbitra que, contra o Regulamento, me ajudou a abrir o fecho do fato. Nada me corria bem. Perdi cerca de 8 minutos. Durante o tempo em que estive no Parque de transição continuei a ter o forte apoio do público e dos meus familiares sempre a gritarem pelo meu nome. Finalmente pude abandonar a transição e lancei-me à estrada na minha velhinha, mas fiel, bicicleta de corrida. Só temia algum furo ou acidente que pudesse dificultar o meu segmento de bicicleta. Imprimi um ritmo o mais intenso possível, mas com alguma prudência para não deitar tudo a perder. Na segunda parte da corrida de bicicleta começo a vislumbrar mais à frente dois atletas que estavam na mesma volta que eu e ao meu alcance para poder deixar definitivamente o último lugar. E foi com esta determinação que consegui ultrapassar um atleta masculino ainda no segmento da Bicicleta. Mais à frente, e já na fase da corrida de 5 quilómetros, viria a ultrapassar a última atleta feminina. Sentia-me bastante bem e com forças. Estava a conseguir recuperar algum do atraso cometido atrás.
Quando estava prestes a concluir a primeira volta ouço nos altifalantes referirem-se a mim: aí vem o atleta que terminou em último lugar na Natação, mas não sabemos se vai já terminar aa prova”. Senti mais um empurrão de tal modo que nos últimos dois quilómetros e meio quase parecia que estava a voar,
Nas bancadas os meus familiares apoiavam-me incessantemente.
Até o meu Neto Francisco, ao colo da Mãe Loubna, segurava um cartaz de apoio.
Infelizmente só vi o cartaz já em Casa.
Consegui o meu objectivo de concluir um Triatlo.
Agradeço a todos os que me apoiaram quando eu mais dele necessitava.
Os restantes elementos da nossa equipa conseguiram concluir a sua prova.
Mas foi com tremendo desalento que soube que o Gonçalo foi forçado a abandonar a prova ainda no início do segmento da bicicleta quando sofreu um furo irreparável na roda traseira e que lhe impediu de concluir o seu primeiro Triatlo. Preferia que esta percalço tivesse acontecido comigo. O Gonçalo estava a fazer uma excelente prova.
Um grande abraço ao André que completou a sua prova apesar de ter feito o segmento da Bicicleta sem conseguir apertar os sapatos como deveria ser.
Além da nossa enorme satisfação aprendemos muito com esta prova Seguramente que saberemos como ultrapassar no futuro os erros cometidos. Para mim ficou um aviso: tenho de intensificar o meu treino para a Natação.
Cumprido este Triatlo tenho de encontrar um novo desafio para me manter em constante actividade física. Um IRONMAN? Era uma das minhas ambições, mas seguramente, inatingível para a minha idade.
Já no rescaldo de todas as emoções recebo via WhatsApp um elogio da Marta que muito me sensibilizou,
Valeu a pena.
Resta-me a alegria de ter terminado o meu primeiro Triatlo e sem ter ficado em último lugar. Foi mesmo por pouco. E resta-me também o orgulho de ter sido o atleta mais velho a concluir a prova.
Já aguardamos por um próximo triatlo.
[Crónica de Carlos Gonçalves]
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