Há provas em que não vimos ao engano, e o Extreme Trail Cucos é, seguramente, uma delas.
Em 2014 o Frederico e o Carlos Gonçalves inscreveram-se na primeira edição deste trail vindo um pouco à descoberta de uma nova corrida e, sobretudo, de novas paragens. Participaram no Trail Curto de 12 quilómetros que, apesar da distância ser relativamente acessível, estava classificado como MD – Muito Difícil. Embora não parecendo assim tão dura os tempos registados não perdoaram e colocaram esta prova como uma das mais difíceis de todas as de “trilhos” que já temos disputado. Na altura o percurso até não nos pareceu assim tão difícil. Mas o cronómetro, e o ritmo por quilómetro, não nos deixaram qualquer dúvida. Foi simplesmente uma das nossas corridas de Trail mais lentas.
Para este ano a organização decidiu inovar aumentando as distâncias dos dois trails e mantendo, em simultâneo, a classificação de Muito Difícil. Numa época em que a oferta deste género de corridas é cada vez mais profícua é imperativo apresentar argumentos de peso que consigam captar os inúmeros atletas de uma modalidade em plena ascensão. Já não basta participar em “simples” corridas de montanha. O “trail” introduziu novos elementos distintivos aumentando significativamente a dureza e a dificuldade da própria prova. Os atletas andam à procura de novos limites para testarem as suas capacidades físicas e psicológicas. Quanto mais dura for a aventura maior a satisfação no final. Não interessa em que lugar se termina e em quanto tempo. As corridas de trilhos são uma das provas mais democráticas onde todos ganham. O sentimento e a satisfação de completar um “trail” é transversal a todos os atletas, seja ao primeiro ou ao último classificado. E o orgulho com que contamos aos nossos amigos as nossas aventuras é o impulso que precisamos para continuar nestas odisseias. Momentaneamente pertencemos ao Olimpo dos “mais dotados e admirados”, e, por que não dizer, dos mais invejados.
Às nossas caixas de correio chegou informação sobre a edição de 2015 do Extreme Trail Cucos e decidimos logo inscrevermo-nos. O Carlos Teixeira, menos cativado por provas de “trail”, e ainda a tentar debelar uma lesão que o apoquenta há largos meses, decidiu não acompanhar os restantes dois Tartarugas “veteranos”. Desta vez o Carlos Gonçalves optou por arriscar a “loucura” do Trail Longo ficando o Frederico pela versão mais curta. Já sabíamos de antemão que a prova deste ano iria ser certamente mais exigente do que a do ano passado. A classificação de Muito Difícil manteve-se aumentando as distâncias para quinze e trinta quilómetros. O Extreme Trail Cucos apresentava-se também como um óptimo treino para a sensacional Lisbon Eco Marathon que aí vem no último Sábado de Junho. Comparando com o Extreme Trail Cucos a Maratona de Monsanto é, como se costuma dizer, para “meninos”.
À última hora o Frederico não pôde deslocar-se a Torres Vedras pelo que o Carlos Gonçalves ficou entregue à sua sorte e com o peso todo da nossa equipa nos seus ombros. Mas ele não se importa muito com isso.
Eram oito horas da manhã, mais coisa menos coisa, e a delegação solitária das LEBRES E TARTARUGAS chegava às Termas dos Cucos. Em primeiro lugar é preciso confirmar a inscrição e o número de ordem dos atletas, neste caso do único atleta da nossa equipa. Depois entrar na fila certa e recolher o dorsal respectivo.
Do lado de fora a animação começa. Uns chegam e procuram lugar para estacionar o carro. Outros, já munidos dos respectivos números de identificação, recolhem aos seus veículos e aprontam-se para a grande prova. Outros já começam com os aquecimentos musculares da ordem. Uns vão para um lado e outros caminham em sentidos diferentes...
E tomando o pulso à animação que se formava o Tartaruga Solitário decidiu regressar ao carro e aproveitar para recuperar, se possível, algum do sono que tinha perdido por ter madrugado nesta manhã do feriado do 10 de Junho.
Passou um pouco pelas brasas, em sono pouco profundo, e quando faltavam quinze minutos para a hora da partida levantou-se e juntou-se aos restantes atletas para ouvir o “briefing” habitual. Muita gente já se aglomerava em frente à entrada principal das antigas Termas dos Cucos. São dadas indicações preciosas para que tudo viesse a correr como a organização pretendia, chamando a atenção para as fitas de sinalização que iríamos encontrar ao longo da prova: Cor de Laranja para os dois Trails e Brancas para a Caminhada. E atenção, muita atenção, para os locais onde estejam colocadas as tabuletas com o aviso de CUIDADO. Nessas zonas é preciso ter mesmo muito cuidado. São descidas de tal forma complicadas que foram poupadas aos participantes da Caminhada. Quem quiser ultrapassar outro atleta que o faça noutras zonas. Aqui NÃO.
O percurso inicial é comum para as duas distâncias dos Trails. Cumprida a primeira metade da corrida, e após um curto intervalo de abastecimento, os inscritos no Trail Longo terão de efectuar a segunda parte do “oito” que constitui o trajecto completo.
Antes da partida todos os atletas são convidados a fazerem um curto aquecimento orientado por uma equipa de um ginásio local.
Finalmente começa a prova. Logo a subir para nos lembrar ao que viemos. Os mais rápidos imediatamente desaparecem. O nosso atleta perde o contacto com os participantes no Trail Longo. Mas não fica sozinho. É rapidamente absorvido pelos atletas e, principalmente, pelas atletas do Trail Curto. É uma fase de bastante conversa e de contemplação da beleza dos locais por onde vamos passando. Com o avançar da prova formam-se vários grupos. O Carlos Gonçalves passa a integrar, praticamente até ao final do Trail Curto, um grupo de três atletas: duas Lebres e um Coelho. Mas quando é necessário deixa-se a corrida para trás e dá-se uma “mãozinha amiga” a uma ou outra caminheira que precisa de ajuda para uma descida mais ousada e na qual a corda presente não é, por si só, garante da manutenção da integridade física. Temos de ser uns para os outros.
Aos ziguezagues vamos caminhando Monte acima ou Monte abaixo. Vão-se poupando o músculos para o derradeiro esforço entre os quinze e os trinta quilómetros.
Os primeiros quinze estão cumpridos, durinhos e exigentes quanto baste. Aguarda-nos a segunda metade. As dificuldades aumentam logo ali bem por cima do edifício principal das Termas. A cada subida, vulgo escalada, segue-se uma descida não menos desafiante. Chego a interrogar-me sobre o que será melhor.
Depois de um início de manhã frio e com alguma humidade o Sol e o Calor também querem marcar presença. É o momento de satisfação do Tartaruga presente. Deu tempo para carregar baterias.
Por volta do quilómetro dezassete encontro um outro atleta sentado numa pedra à beira do caminho. Cãibras. Cãibras tão bem conhecidas e que nos atormentam quando o nosso objetivo é continuar. Não é a cabeça que falha. Não é a “caixa”. É esse maldito sinal de esgotamento físico que dá cabo da nossa paciência e do nosso esforço.
Sigo o meu caminho quando vejo que nada posso fazer.
A quilómetro vinte, e já depois de já ter vencido muitos obstáculos, surge, como que por encanto, o último abastecimento durante a prova. Estava no sítio certo e à hora certa. Pergunto, ingenuamente, se ainda falta alguma subida radical. Uma resposta seca e sintomática deixa-me de sobreaviso: “ainda há mais alguma coisa”…
Depois de recomposto preparo-me para seguir viagem sem deixar de dar os meus agradecimento aos elementos da organização pela beleza da prova.
O obstáculo que segue é uma daquelas descidas de cortar a respiração. Olho em redor e descubro um o pau que estava ali mesmo à minha espera. Com este bastão improvisado encaro com bastante confiança os próximos quilómetros. E que grande ajuda que ele me deu. Passou a ser o meu companheiro de viagem. Refilava com os acidentes do percurso e o meu querido bastão ouvia-me silenciosamente como que concordando comigo. Muitas vezes o silêncio fala mais alto do que um berreiro.
Subitamente dou por mim quase a estatelar-me: “Cara…(PIUUU)”. Um tronco ou uma raiz escondidos pareciam agarrar o eu pé direito e provocar-me uma enorme, e de consequências imprevisíveis, queda. Vá lá safei-me a tempo.
Um dos troços mais exigentes de todo o Trail não foi a subir nem a descer. Exactamente naquilo que parecia ter sido o leito de um curso de água, provavelmente decorrente de uma tempestade, encontro um “tapete” plano, mas muito acidentado, constituído por pedregulhos de diversos tamanhos e formas. Todo o cuidado era pouco para não deitar tudo a perder. Naquele local partir um pé era o mais fácil.
Ouço uma voz a chamar-me: “Companheiro”. Viro-me para trás e reconheço de imediato o atleta das cãibras. Tinha conseguido recuperar um pouco e viu no meu reencontro o estímulo final para levar de vencida o Extreme Trail Cucos.
Conversando e animando-nos um ao outro engolimos os últimos quilómetros que nos separavam do final. Mais cedo do que estávamos à espera avistamos de novo as Termas. Nos últimos metros temos direito a refrescar os martirizados pés. Na realidade até não podemos dizer que os pés tivessem sido muito massacrados. Despeço-me do meu fiel bastão e devolvo-o à natureza aonde pertence. OBRIGADO.
Terminamos a corrida lado a lado. A satisfação era imensa. Mais uma odisseia digna de figurar nas nossas memórias. Fomos os dois últimos classificados. Mas terminámos esta magnífica aventura.
Pela minha vontade volto em 2016 e ao Trail Longo. Foi uma prova difícil? Foi. Aliás já o esperava. Mas foi um conjunto de dificuldades muito equilibrada.
Foi um dos mais belos “trails” em que participei. Dei o máximo de mim, sempre com o fantasma das cãibras bem presente.
A organização está de Parabéns.
Atletas que concluiram a prova: 90
Vencedor: MARCOLINO VERÍSSIMO (SSCGD) - 3:02:39
CARLOS GONÇALVES (Dorsal Nº86)
Classificação Geral: 89º - Classificação no Escalão M50: 12º
Tempo Oficial: 6:36:37/Tempo Cronometrado (Tempo do Chip): ND
Tempo médio/Km: 13m:13s <=> Velocidade média: 4,54 Km/h(*)
Calendário do Mês de Junho
. GRANDE PRÉMIO DO ATLÂNTIC...
. CORRIDA SÃO SILVESTRE DE ...
. MEIA MARATONA DE S. JOÃO ...