Esta é a crónica que não queria escrever por ser baseada numa notícia que nunca queria receber.
Pois é. Infelizmente tudo tem um fim. Mas, por tudo o que passou, a Analice não merecia deixar tão cedo a companhia de todos os que a adoravam e admiravam.
Muito se tem escrito sobre esta exemplar atleta. A sua experiência de vida normalmente conduziria a um desfecho bem mais trágico. Mas, a Analice Silva sempre soube dar a volta a todos os problemas da sua vida e encontrar no atletismo uma motivação extra que a levou a momentos de satisfação, de amizade e de admiração de todos os sortudos que com ela privaram. Isto é a essência do Desporto. Não é só competição mas amizade e respeito pelos "adversários". A Analice não era nossa adversária. Apenas, e já é muito, uma AMIGA com muitos interesses em comum.
Os atletas das LEBRES E TARTARUGAS tiveram o grande prazer de se cruzarem muitas vezes com esta lenda do atletismo português. Apesar de ter naturalidade brasileira, há muito que já tinha adoptado Portugal como seu porto de refúgio. Desde as tradicionais provas de estrada, com predominância para as Maratonas e Meias Maratonas nas quais nos habituámos a encontrar a figura deste franzina atleta no alto dos seus setenta e tal anos, cruzarmo-nos-íamos com ela em muitas corridas de trilhos às quais a Analice emprestava o seu nome para a lista de participantes. Prova em que a Analice marcasse presença significava que era mesmo uma corrida a desafiar.
Nos cem quilómetros da Ultra Maratona de Portalegre a Analice, com uma leveza impressionante, deixava para trás muitos atletas que perguntavam a si próprios com era possível que uma pessoa daquela idade completasse uma prova que muitos ambicionavam terminar mas nem todos o conseguiram.
Guardo com muito orgulho o facto de ter andado com a Analice "às cavalitas" para a ajudar a saltar sobre um muro que sozinha não conseguiria transpor. E, logo após esta ajuda, ela "se sumiu", em bom sotaque brasileiro, só voltando a ter notícias dela após ter concluído mais um Ultrail de São Mamede.
Na última edição da UTSM, em Maio de 2016, no momento de cruzarmos a primeira ribeira o aglomerado de atletas era grande. A certa altura uma atleta tenta furar e passar à frente de todos os que aguardavam pela sua oportunidade. Em condições normais gerar-se-ia uma tremenda confusão. Alguns perguntavam mesmo quem era aquela "penetra" a pretender passar à frente de muitos. "É a Analice, referi". Ok. Tem passagem livre.
Na Ultra Maratona Melides/Tróia a Analice corria descalça e voava sobre a areia com uma leveza tal que nos levava invariavelmente a perguntar "Como?".
E muitas mais histórias haverá para recordar sobre esta extraoridária atleta.
Em muitas corridas a Analice foi a nossa verdadeira "Lebre" que nos estimulava a fazer sempre mais. Temirnar perto dela já era um grande feito. Ultrapassá-la era uma tarefa, na maioria das vezes, impossível.
Todos os que se cruzavam com a Analice deleitavam-se com os relatos das suas experiências. Quase que éramos "arrancados" da conversa para irmos correr, na realidade o propósito que nos tinha levado a certas paragens.
A Analice perdeu a sua última corrida. Agora vai desafiar a Ultra Maratona da Eternidade. E já a venceu pois nunca mais nos esqueceremos do seu nome. Continuará a ser uma das nossas referências mais importantes. Se ela conseguiu ultrapassar alguns obstáculos significa que nós também o conseguiremos.
ADEUS ANALICE!
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