Integrado no meu plano de preparação física e, sobretudo, psicológica para a Ultra Maratona de S. Mamede decidi inscrever-me em duas provas na modalidade de "trail", por isso mesmo muito desgastantes e exigentes. No espaço de uma semana este atleta marcou presença na Maratona dos Trilhos do Almourol e no Ultra Trail de Sesimbra. Esta última foi mesmo a mais longa prova em que a TARTARUGA mais velha, ou menos nova, participou. Nada menos do que 50 quilómetros e ainda por cima "fora da estrada".
Faz parte da minha natureza levar as coisas até à exaustão. É uma procura cada vez maior por desafios mais ambiciosos que nos leve até tão próximo quanto possível dos nossos limites. Como costumo dizer "é bom sofrer e chegar perto dos nossos limites"...
Parti para esta prova completamente às cegas. Apenas sabia que iriam ser cerca de cinquenta quilómetros e que o percurso se desenvolveria nas imediações de Sesimbra. Quanto às características do traçado apenas ouvia de um colega que se tratava de uma prova muito bonita.
Eram seis e dez da manhã e já estacionava o meu carro algures na vila de Sesimbra. Ainda era noite cerrada quando algumas dezenas de atletas se dirigiam ao Hotel de Sesimbra para levantarem os respectivos dorsais. Com alguma apreensão constatava que a maioria dos atletas presentes tinha um "ar" de altamente preparados para provas desta natureza. Seria devorado por estes "prós"??? O lema das Tartarugas "Não ficar em primeiro nem em último para não dar nas vistas" parecia seriamente comprometido. No final poderia passar de "tartaruga" a "LESMA".
Às 7 horas foi dado o tiro de partida. Como fase de aquecimento tivémos uns primeiros quilómetros em alcatrão até chegarmos à zona do Porto de Sesimbra. Começou então a verdadeira "Ultra Maratona". Na primeira subida já em terra começam os mais previdentes a optar por andar em vez de correr. A prova iria ser longa. Segue-se uma entrada em trilhos pedregosos em que o mais difícil é não perder o equlíbrio e evitar desnecessárias e arreliadoras quedas. Tudo isto com o Atlântico do nosso lado esquerdo. Belo e ainda por cima com o Sol a despontar em todo o seu esplendor. Só quem sofre de vertigens é que deverá não ter achado muita graça a este início de prova. Num sobe e desce constante atingimos a zona do Cabo Espichel. A partir de aqui "nada será como dantes". Entramos em trilhos mais arenosos e com declives bem assustadores. Após uma descida em "ziguezague" ao longo da encosta temos de cruzar uma frágil e estreita ponte em madeira. Serà que vai agora aguentar connosco? Esperemos que sim. Começamos a subir por um trilho extremamente estreito do qual só vemos o próximo metro. Um pouco assustador.
Estamos no limite do Parque de Campismo do MECO. Vamos ter alguns quilómetros pela frente, com Lisboa em pano de fundo, em que só encontraremos debaixo dos nossos pés "areia e mais areia". Foi seguramente a parte mais "chata" de todo o percurso. O desespero começa a tomar conta de alguns atletas. Com tantos locais tão interessantes porque raio foi a organização escolher este percurso? Foi nesta fase que o fantasma do último lugar pela primeira vez começou a pairar sobre mim.Olhava para trás e não via ninguém. Será que estaria mesmo em último? Felizmente que lá encontrava alguém mais atrasado do que eu. Mas por quanto tempo? Não podia deixar que este sentimento de "medo" se apoderasse de mim.
À medida que os quilómetros iam avançando cada vez era maior a minha convicção de que muito provavelmente não voltaria a repetir esta Ultra Maratona. Não pela dureza mas pela falta de interesse do percurso. Em muitos troços a sensação era de que andava apenas a cumprir quilómetros. Após um dos abastecimentos entrei numa das fases mais belas desta prova. Após as chuvas intensas deste Inverno finalmente tínhamos um fim de semana mais ameno. E com a subida da temperatura as plantas selvagens desabrocharam rapidamente e como por encanto. Um cenário muito bonito e tendo como barulho de fundo o zumbir dos imensos insectos que esvoaçavam por aqui e por ali. Isto é a verdadeira NATUREZA. Valeu tudo o que passámos para chegar até este paraíso.
Após um dos últimos abastecimentos, e atravessando a estrada de acesso ao Cabo Espichel, entrámos numa zona plana da qual me lembrava de já ter percorrido mas de bicicleta BTT. A certa altura, após ter sido ultrapassado por um casal bem mais novo e com um andamento demasiadamente vivo, deparo-me com um indivíduo vociferando e gesticulando ameaçadoramente com uma enchada na mão. Dizia que estávamos dentro de uma propriedade privada e que não a poderíamos atravessar sem autorização prévia. Mandei-o falar com um membro da organização que se encontrava por perto junto ao abastecimento ...
Sabia que antes de iniciar a descida para Sesimbra ainda teríamos de ir ao Castelo. Mas como? Novamente a sensação foi a de que a organização "inventava" troços só para nos dificultar a vida e fazer cumprir quilómetros. E apanhei com o troço mais inútil e mais mal amanhado. Éramos obrigados a passar pela zona das pedreiras. O que me estaria ainda reservado? Nada mais nada menos que uma descida muito difícil no meio de pedras em que muito dificilmente encontrava o caminho. E como as forças já faltavam só mesmo quem tinha bastões é que ultrapassava os obstáculos com menor dificuldade. Gritava a mim próprio que "esta prova nunca mais" ... Onde é que eu já ouvi isto anteriormente?
Finalmente cheguei ao Castelo. No último abastecimento, e na companhia de outros dois colegas, abastecemo-nos de "suplementos" para cumprir a última etapa. E como suplemento ainda dividimos uma cerveja preta por três.
Agora era sempre a descer. Por detrás do Castelo fui encontrar um magnífico "single trek" que há uns anos tinha feito em BTT. Maravilhoso. Após muitas curvas, e num sobe e desce constante (mais desce do que sobe), chego finalmente ao alcatrão. Um, dois, quilómetros e picos me separavam da meta. Vou buscar forças onde pensava já não esxistirem. Sempre a correr ao longo da marginal tentava manter um ritmo mais elevado e uma postura digna de um atleta de alta resistência. Havia que preservar uma boa imagem de mim mesmo apesar de de muita gente já ter concluído há muito a prova.
E uma vez mais iria encontrar a minha filha no final de mais uma das minhas ameaçadoras odisseias. Foi assim nos Trilhos do Almourol assim como na fantástica Melides/Tróia.
Enquanto realizava os possíveis exercícios de alongamentos verificava que atrás de mim mais quatro outro atletas vieram. E o Atleta Vassoura encerrava definitivamente o Ultra Trail de Sesimbra.
Uma pergunta fica no ar. Será que resistirei a não voltar a repetir esta corrida?????
Atletas que concluiram a prova: 244
Vencedor: VÍTOR CORDEIRO (AC Portalegre/UTSM): 4:21:19
CARLOS GONÇALVES (Dorsal Nº 212)
Classificação Geral: 240º - Classificação no Escalão(M50): 26º
Tempo Oficial: 9:18:29/Tempo Cronometrado (Tempo do Chip): 9:18:01
Tempo médio/Km: 11m:10s <=> Velocidade média: 5,38Km/h (*)
(*) - O Tempo médio/Km e a Velocidade média foram calculados em função dos tempos cronometrados (tempo do chip)
Corridas do Mês de Abril
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