O Trail dos Moinhos Saloios foi a minha última prova de trilhos antes da operação ao menisco e da pandemia, no longinquo ano de 2019. Por estes motivos era grande a minha expectativa ao voltar pela terceira vez a uma prova que me deixou boas recordações mas também pela sua exigência em termos físicos para aferir a minha condição actual.
O gráfico da altimetria era um pouco assustador.
É verdade que os desníveis não são vencidos em linha recta pelo que, na realidade, a situação não é assim tão dramática. No entanto é sempre com respeito, e alguma crença em como tudo vai correr bem, que abordamos estas situações.
À chegada à Venda do PInheiro, e após o levantamento do meu dorsal, olhei em redor à procura de caras conhecidas. Encontrei alguns/algumas atletas habitualmente presentes em provas de trilhos e que, para satisfação minha, marcaram o ponto mostrando que continuam aí para as curvas, no que às provas de trilhos diz respeito. Mas, ao mesmo tempo, constacto que não são muitos os atletas presentes. Uma centena, ou talvez duas, mas a dividir pelo "Trail Longo e pelo "Trail Curto", e com o aspecto de atletas bem preparados. Assim corria sérios riscos de vir a ser ultrapassado por todos. É verdade que não é a classificação que me move para a participação em corridas, principalmente na modalidade de trilhos. Mas que não é muito agradável ficar em último é uma certeza. Ainda por cima vejo o atleta "Vassoura" que, curiosamente, também se chamava Carlos Gonçalves. Olá, será que vão terminar a prova dois atletas em conjunto com o mesmo nome? Verifiquei, pela cor azul do Dorsal, que, afinal, era o "Vassoura" mas do Trilho Curto. Fiquei um pouco mais descansado.
Parti para a minha prova com o mesmo espírito de sempre. Divertir-me, disfrutar ao máximo de toda a envolvência, e terminar a prova com um mínimo de dignidade e de alguma frescura física, se é que se pode falar em frescura física após vinte e cinco quilómetros de luta em ambiente de "Trail".
O gráfico da altimetria não mentia. Iríamos ter pela frente uma corrida em contínuo "sobe e desce". Com um percurso bastante renovado, pelo menos em comparação com a edição de 2019, nem por isso deixou de se mostrar à altura. Esta realidade tem sido uma constante no Trilho dos Moinhos Saloios. Nas três vezes em que participei nesta corrida o percurso nunca foi o mesmo. Este ano só mesmo o início e o fim foram os mesmos de há três anos, assim como a terrível subia ao Poste de Alta Tensão.
Poucos troços planos e, curiosamente, até fiquei com a sensação de que eram mais longas as descidas do que as subidas. Até pode ser sido verdade em termos de distância. Talvez as subidas tenham sido curtas e duras mas, no final, tendo regressado exactamente ao ponto de partida, significa que os desníveis acumulados positivo e negativo compensaram-se.
Quando chegamos a um ponto alto vemos paisagens de grande beleza. É nestes momentos que no sentimos pequeninos no meio daquela vastidão de montes e vales. Mas não podemos concentrar muito a nossa atenção na paisagem pois o piso não é regular e facilmente podemos tropeçar nalguma pedra e darmos um valente trambolhão.
Ao longo da corrida vão-se definindo posições entre os atletas de diferentes andamentos. E vão-se também começando pequenas competições entre atletas que têm um andamento idêntico ao nosso.
Tendo já sido ultrapassado pelos mais rápidos começo a ter a presença constante na minha retaguarda de uma atleta munida de bastões e que ora se aproximava de mim, nas subidas, ora se afastava nos troços planos ou a descer dado que nessa altura retomo o meu passo de corrida. Vou aguardar pelo fim para ver quem irá vencer esta pequena competição.
Em determinada altura, e após ter entrado numa estrada alcatroada, começo uma subida bastante íngreme que me leva até ao Alto do Urzeira. Após ter percorrido cerca de cento e cinquenta metros reparo que não há qualquer fita sinalizadora indicando o caminho a seguir. Ter-me-ei enganado ao entrar no alcatrão? Inverto o andamento e verifico que devia ter virado à esquerda ao invés de seguir pela estrada alcatroada.
Com este engano perdi o contacto com a minha "parceira" de corrida. Mas como me estava a sentir bem encarei com espírito positivo os quilómetros finais e as últimas e terríveis escaladas. Reparei, através do gráfico de desníveis do meu relógio de corrida SUUNTO, que num pequeno troço, subida ultrapassei mais de cem metros de desnível em pouco tempo. Já sabia que as subidas eram duras.
Continuei o meu "passeio" sozinho. Estava a sentir-me bem e, contrariamente ao que muitas vezes acontece, nunca falei mal da corrida e nunca me apeteceu desistir apesar de estar em completo isolamento. De outros atletas nem vivalma. Apenas me cruzava com alguém nos últimos abastecimentos ou nos Postos de Controlo.
Tinha gravado na minha cabeça o mapa da altimetria. Tinha consciência de que, por volta do quilómetro vinte e dois, mais coisa menos coisa, tinha de atacar a última "parede". A partir desse ponto era sempre a descer até à meta. Psicologicamente estava bem preparado para este último desafio.
"Só mais uma pequens subidinha e depois é sempre a descer até ao Parque Desportivo da Venda do Pinheiro", avisou-me um membro da organização que, como muitos outros, estava colocado num ponto estratégico para impedir que seguisse por caminhos errados.
Terminei bem. Maior foi a minha satisfação quando soube que ainda havia alguns atletas mais atrasados.
Em jeito de conclusão considero que este Trilho dos Moinhos Saloios foi uma prova com a distância e a dureza correctas para o meu actual estado de condição física. Mesmo o meu joelho esquerdo não refilou muito comigo após algumas descidas que fiz de forma mais violenta e mais arriscada do que devia. Se a minha médica que me operou ao mesnisco ali estivesse certamente que me teria dado bem na cabeça. Mas prometo que não vou exagerar tanto como antigamente.
Para a organização atribuo uma classificação de "Cinco Estrelas". O único reparo e sugestão que fiz foi de na próxima edição partirem em primeiro lugar os atletas do Trilho Curto e só depois os da prova mais longa.
Antes de me dirigir ao meu carro dediquei algum tempo a exercícios de alongamentos tão necessários e aconselháveis em face do esforço dispendido. Retirei mesmo algumas pedras de gelo, que estavam num alguidar a arrefecer garrafas de Coca-Cola, para massajar convenientemente os músculos das pernas.
Mesmo assim não me livrei de, alguns quilómetros mais à frente, me ver obrigado a parar a minha viatura devido a um ataque de cãibras que me impediam de conduzir em segurança até casa. São os ossos do ofício.
E para o próximo ano, se houver esta prova, cá estarei de novo. E terei companhia de alguns dos meus colegas?
[Crónica de Carlos Gonçalves]
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